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MEU MAR, MEU QUINTAL. // SAGRES SHORT STORIES // NINGUÉM NOS PÁRA

Sobrevoar o meco  

Sagres short Stories // Ninguém nos pára 

No verão os ventos inconstantes na costa portuguesa tornam tudo menos previsível. Essa condição trás à prática do parapente um travo especial e convida-os a sobrevoar o meco, nos meses em que as praias se enchem de gente. Dispersos pela região centro do país, a praia do Moinho de Baixo é um dos lugares de eleição deste grupo de amigos apaixonados pelo voo. É aqui que se reúnem para disfrutarem do calor de verão e sobrevoarem a soberba vista sobre os quilómetros de areal que se estendem ao longo da costa.

José Cardoso descobriu um dia a sensação de liberdade que é voar ao sabor do vento e do calor, com vista privilegiada para qualquer que seja o lugar de voo escolhido. Desde então nunca mais parou, passaram já treze anos e é hoje instrutor de parapente. Na verdade foi o Zé, como é conhecido, que guiou a maior parte deste grupo de amigos durante os primeiros voos. Foi com ele que aprenderam e repetiram vezes sem conta todas as manobras de segurança, as técnicas de manuseamento da asa e de exploração das condições climatéricas.

Durante a semana qualquer pausa no trabalho serve para espreitar o windguru e perceber como progride o vento na previsão para o fim de semana. Ainda assim, por mais atentos que estejam a essa previsão, esta tende a surpreende-los com frequência, obrigando-os muitas vezes a esperar durante horas a fio até que o vento sopre em direcção a terra, subindo as colinas que abrigam a praia e permitindo que essa ascensão do ar os levem às nuvens. Nesses períodos de espera a que chamam de “parawaiting” há sempre tempo para treinar algumas técnicas e partilhar umas saudáveis gargalhadas no areal.Por vezes, depois de todo o processo de se deslocarem até à praia, de percorrem o areal e subirem a penosa colina com os sacos às costas, onde se guardam as preciosas asas, e de esperarem horas a fio, o vento manda-os baixar as espectativas e regressar a casa sem sequer voarem. As gaivotas são um dos melhores indicadores das condições do vento. O grupo mantem-se atento ao seu comportamento, tentando perceber quando poderão finalmente descolar. Contudo, essas asas desenhadas por mão alheia,

uma outra qualquer que não a mão humana, têm a eficácia da sua aerodinâmica elevada ao expoente máximo. São incontáveis as vezes que as gaivotas varrem a costa sem um bater de asas sequer e ainda assim os amantes do parapente terão de voltar a casa sem saciar a sua sede de voar.

Resta-lhes nesses dias a conversa regada pela boa disposição de sempre, enquanto relaxam no areal encostados aos sacos e sonham juntos com o próximo voo.     

Reportagem publicada no

Jornal Observador em

Julho de 2017..

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